quarta-feira, 10 de maio de 2017

Truísmos da Jenny Holzer

JENNY HOLZER

A Jenny Holzer é uma artista conceitual que, no final dos anos 70, escreveu várias frases curtas, imprimiu-as em papel e colou por vários lugares de Nova York, anonimamente. Essas frases normalmente são bem objetivas e expressam visões de mundo bem abrangentes, e às vezes bem fora do senso comum. Alguns exemplos:

Abuse of power comes as no surprise
Freedom is a luxury not a necessity
Hiding your emotions is despicable
A lot of professionals are crackpots
Your oldest fears are the worst ones
Looking back is the first sign of decadence and decay
If you can’t leave your mark give up

(O resto das frases está disponível aqui)

O que a Jenny Holzer fez não era completamente novo na época: pichações sempre foram comuns, afinal, e a China tem uma tradição bem parecida que é a dos dazibaos, cartazes anônimos com mensagens curtas colados nos muros públicos. Mesmo assim, acho que a coisa mais interessante nesses truísmos é a generalidade das afirmações e a falta de contexto, pelo menos na primeira publicação deles. Também tem o fato de que eles não são todos coerentes entre si e tem algumas opiniões extremamente minoritárias – opiniões que, num contexto normal, alguém teria que justificar amplamente se fosse revela-las em público. Mas quando a frase fica solta assim, sem muito contexto, é muito mais tranquilo simplesmente tentar analisá-la pelo que ela quer dizer, em vez de armar mil e uma defesas para provar que você nunca concordaria com um absurdo desses.

Outra coisa que eu curto bastante nesses truísmos é o exercício de pegar a frase já pronta e elaborar em cima, em vez de fazer um longo raciocínio para só depois chegar numa máxima. De certo modo, acho que a Jenny Holzer antecipou a cultura do Twitter e dos memes, em que as máximas – e, portanto, os consensos – não são passados de geração em geração, e não são elaborados coletiva e hierarquicamente (pelos “sacerdotes” da produção de cultura de determinada época, como religiosos, intelectuais, artistas, professores e celebridades). Ao contrário, é um processo extremamente fragmentado, em que as máximas (os memes) aparecem primeiro e a elaboração é feita depois, pelo próprio leitor. Nesse mundo, a formação intelectual é bem diferente do que foi na geração dos meus pais ou até na minha geração. A nível macro, ainda não dá para saber se as consequências disso vão ser boas ou ruins (se bem que a onda conservadora generalizada – Trump, Duterte, brexit – pode ser um sinal negativo). De qualquer modo, eu pessoalmente gosto muito dessas frases, e provavelmente vou continuar revisitando-as periodicamente por um bom tempo.

domingo, 7 de maio de 2017

Confiança

Quando se diz "eu confio em você", normalmente se quer dizer "eu acho que você será leal a mim", ou melhor, "eu acho que você nunca trairia a minha confiança intencionalmente".

Mas há outro aspecto da confiança muito importante e pouco explorado nas relações afetivas, que é o de acreditar na capacidade (técnica) do outro. Nos pequenos favores e conselhos que amigos trocam entre si (grandes, quando se trata de familiares), não basta acreditar que o outro não trairia a sua confiança. É preciso acreditar que ele seja capaz de dar aquele conselho ou prestar aquele favor. É preciso confiar em sua capacidade, inteligência ou sagacidade. Ou até mesmo em seu nível de informação: é inútil pedir ajuda a um amigo que simplesmente não tem informações suficientes sobre a situação para opinar. Por exemplo, o amigo mais leal não pode te ajudar a estudar cálculo, se for leigo em matemática.

Nesse sentido, não há nada de errado em desconfiar de amigos e pessoas próximas. Não há nada de errado em recusar a ajuda deles, não há nada de errado em preferir tomar decisões independentemente, mesmo que o risco de errar seja grande. Pelo contrário: é importante perceber as falhas e limitações de seus amigos. É importante perceber a diferença entre proximidade afetiva e inteligência (no sentido de "capacidade de perceber a realidade objetivamente"). E mesmo que não haja motivo nenhum para acreditar mais em si mesmo do que nos outros, é importante testar as próprias decisões e cometer os próprios erros.

Então, não há motivo para ter pudor em dizer "eu te amo, mas não confio em você para isso". O amor não deixa de ser verdadeiro, e a confiança no sentido afetivo permanece intacta. Quem ouve uma frase dessas não deve se sentir ofendido. Pelo contrário: seu amigo não estaria sendo leal se aceitasse sua ajuda mesmo sem confiar em você. Estaria mentindo, te enganando, estaria traindo sua confiança no sentido afetivo.

Algumas tarefas e decisões têm que ser feitas individualmente, e benditos sejam os amigos que conseguem respeitar isso.