segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Resenha de Proust and the Squid: The Story and Science of the Reading Brain, da Maryanne Wolf

Esse livro chamou a minha atenção num camelô há três anos. Decidi comprar na hora, mas só há alguns meses parei para ler, e valeu muito a pena.

Proust and the Squid se propõe a investigar como o processo de leitura funciona, ou seja, como o cérebro decifra letras, fonemas, palavras e frases para extrair sentido de um texto. Como o próprio título já entrega, essa explicação parte tanto da história da leitura ao longo dos milênios como da neurociência.

De início, Wolf conta uma breve história dos sistemas de escrita, mostrando as diferenças entre, por um lado, aqueles baseados em hieroglifos, ideogramas e outros símbolos que serviam para representar objetos e ideias, e, por outro lado, aqueles baseados em símbolos que serviam para representar fonemas (isto é, alfabetos). Essa transição, ela argumenta, não teve pouco impacto: o primeiro tipo de sistema de escrita demandava que os leitores acessassem, na memória, o significado de cada símbolo durante a leitura, enquanto o segundo sistema exigia apenas que os leitores acessassem o significado de poucas dezenas de fonemas. Essa redução do trabalho mental necessário para ler permite que o cérebro possa dedicar seus recursos a outras atividades durante a leitura. Nas palavras da autora,

“The reduced number of symbols reduces the time and attention needed for rapid recognition; and thus fewer perceptual and memory resources are needed.”

Ainda na parte sobre a evolução histórica da escrita, o livro dedica algumas páginas a expor (e, em alguns casos, rebater) as objeções de Sócrates ao uso da escrita. Isso foi particularmente interessante para mim por dois motivos. Em primeiro lugar, eu já tinha ouvido falar dessas objeções de Sócrates, mas nunca tive uma plena noção do conteúdo delas (isto é, dos motivos pelos quais ele era contra a escrita) e nunca vi alguém efetivamente discutir e levar a sério essas objeções. Wolf faz isso bem, ainda que brevemente. Em segundo lugar, eu não esperava que um livro tão dedicado a exaltar a escrita fosse aceitar o desafio de abordar essas objeções: o livro poderia ter simplesmente evitado esse tópico e ainda seria ótimo. Decidir encarar esse tema de frente mostrou, para mim, tanto confiança na própria posição como abertura para questiona-la.

O livro segue com uma parte sobre o processo neurológico de aprender a ler. Nesse ponto, Wolf também parte de uma ordem cronológica: começa nos primeiros estágios de aprendizado da leitura e chega ao leitor fluente, explicando o que exatamente é aprendido e quais erros e dificuldades são peculiares a cada etapa.

A última parte do livro é sobre dislexia: o que exatamente causa esse fenômeno, o que pode ser feito para que pessoas com dislexia possam aproveitar ao máximo as vantagens da leitura, e, finalmente, o que a dislexia pode nos ensinar sobre leitura de modo geral.

De modo geral, gostei bastante desse livro e recomendo muito. Uma crítica possível é que ele tem um posicionamento muito romântico a respeito da leitura, tanto que algumas exaltações chegam a ser cafonas. Quem não considera a leitura especial por si só vai certamente ficar incomodado com esses trechos. Mesmo assim, vale a pena dar uma chance. Não tem nada de prolixo, os argumentos são bem defendidos, a autora usa um vocabulário muito rico e figuras claras para ilustrar suas explicações (principalmente nas partes sobre neurociência). Se você estiver em dúvida do que ler nesse final de ano, esse livro pode ser uma boa ideia.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Dor inútil

Não tenho muita dificuldade em fazer academia; apesar de meio entediante, consigo puxar ferro repetitivamente sem problemas, sem muita dor, em todas as máquinas - exceto no extensor de pernas. Sempre que eu tento fazer esse exercício, surge uma pontada de dor bem forte logo acima do joelho, e eu tenho certeza que tem algo errado, e chamo um instrutor para me ajudar. E geralmente se segue uma variação da conversa a seguir:

_Tô sentindo uma dor bem forte acima do joelho, isso é normal?
_Uh... Bem, não é comum, mas...
_...
_...
_Eu devia parar?
_Bem, dor faz parte.
_Mas tá doendo muito mais do que o normal, eu não sinto isso nos outros aparelhos.
_Bom, uh, se você quiser parar você pára. Vai pra outro aparelho.

Esses diálogos sempre foram bem decepcionantes para mim. Não só não me ajudavam a entender o que era aquela dor acima do joelho, como também mostravam que os instrutores de academia - que foram treinados para isso - também não fazem a menor ideia e não têm uma resposta minimamente boa para dar.

Dor normalmente tem alguma utilidade, mas às vezes é só um erro da natureza e não serve para absolutamente nada. E eu antigamente presumia que médicos sabiam diagnosticar de onde vinha e para que servia cada dor, mas essas experiências na academia me deixaram bem cética. E se não existirem adultos de verdade? E se ninguém conseguir diagnosticar com precisão qual dor é útil e qual não é? E se eu precisasse usar o extensor de pernas? E se eu quisesse muito? Como eu ia saber exatamente se aquela dor é um sinal para eu parar ou se é algo que eu devo ignorar?

Acho que isso se aplica a todo tipo de sofrimento. Não existe nenhum observador neutro das nossas vidas que vá dizer "essa dor faz parte, mas aquela é só sofrimento desnecessário que vai te fazer mal". Então você tem que tentar descobrir na tentativa e erro. Só que a tentativa e erro, com esse tipo de coisa, tem consequências péssimas: você corre dois riscos grandes. O primeiro é o de desconsiderar dores importantes e acabar se estrepando desnecessariamente (por exemplo, eu poderia continuar fazendo extensão de pernas e romper um ligamento). O segundo é o de achar que toda dor é um sinal para parar, e acabar se privando de fazer qualquer coisa.

Esse é um daqueles problemas gerais da vida que eu acho que não tem solução. Talvez todo mundo só acabe com suas vidas sub-óptimas mesmo, porque é impossível saber até onde a gente deve tentar aguentar. Muito pouca dor, e você pode acabar com muito pouca recompensa. Dor em excesso, e você pode se quebrar no meio. Não tem ninguém pra te ajudar a saber o que é dor útil e o que é dor inútil, mas acho que isso é só parte da vida mesmo.

sábado, 1 de dezembro de 2018

Jesse: You know, it's like...nothing much that happens to us changes our disposition.

Céline: Really, you believe that?

Jesse: I think so. I read this study where they followed people who had won the lottery, and people who had become paraplegics, right. I mean you'd think that...you know, one extreme is gonna make you...euphoric, and the other suicidal. But the study shows that after about 6 months…

Céline: Uhum?

Jesse: Right...as soon as people got used to their new situation, they were more or less the same.

Céline: The same?

Jesse: Well, yeah...Like if they were basically an optimistic, jovial person, they're now an optimistic, jovial person, in a wheelchair. If they're a petty miserable asshole, OK, they're a petty miserable asshole with a new Cadillac, a house and a boat.

Céline: So, you’ll now be forever depressed, no matter what great things happen in my life?

Jesse: Definitely.

- Before Sunset (2004), dirigido por Richard Linklater

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

quarta-feira, 4 de abril de 2018

Repositório de links - 05/04/18

Links que achei legais de algum jeito. Aqui vai ter coisa que vi muito recentemente e coisa que vi há literalmente anos. Tô pensando em fazer isso de tempos em tempos.

(Nota: a maioria dos textos são em inglês. Só o texto da Eliane Brum, o primeiro texto sobre TOC, o sobre Moloch e o texto sobre violência sexual são em português. Vou tentar lembrar de mais coisa em português na próxima)

Uma série de quadrinhos sobre depressão, da Allie Brosh. Parte 1 e parte 2.

O melhor texto contra a meritocracia que eu já li: The Case Against Equality of Opportunity.

Sobre problemas graves que a produção científica enfrenta hoje: Evidence-Based Lies. O título é uma referência ao bordão "evidence-based policies", ou "políticas públicas baseadas em evidências", que tem ficado mais presente na mídia hoje em dia. É basicamente um movimento que exige que, antes de implementar qualquer política pública, o administrador tenha evidência empírica de que aquela política efetivamente funciona. O texto não discorda que essas evidências são necessárias, só argumenta que essas evidências têm sido coletadas de forma ruim.

Os dois próximos textos são do mesmo blog, SlateStarCodex, que fala sobre... um monte de coisa. Pra falar a verdade, eu sei tão pouco dos temas centrais do blog que não me arrisco a tentar definir quais são. De qualquer forma, ele também escreve sobre política, e sobre isso faz alguns textos muito bons.

O primeiro que indico aqui, Burdens, tem a proeza de combinar alguns dos trechos que mais me influenciam hoje em dia com algumas das coisas mais estúpidas que já li. É um texto sobre pessoas que se sentem como fardos, a possibilidade de que elas realmente sejam "fardos" de algum jeito (pessoas que não conseguem trabalhar, deficientes, gente que não tem nenhuma habilidade muito clara em geral). Para mim é um baita alívio que ele consiga admitir que algumas pessoas não são necessariamente "produtivas" para a sociedade e que ainda assim consiga pensar em argumentos para justificar que essas pessoas têm valor - argumentos bem diferentes de qualquer noção de "dignidade inerente da pessoa humana". É incrivelmente compreensivo e pragmático e eu acho que todo mundo deveria ler pelo menos uma vez (ainda que tenha as partes incrivelmente burras).

O segundo, Meditations on Moloch, é sobre problemas de coordenação, como eles basicamente forçam toda a humanidade a entrar num estado de competição brutal, e quais seriam as possíveis soluções para isso (de preferência, que não envolvessem centralizar poder numa figura que privasse todo mundo das liberdades mais básicas). É um texto que faz um longo argumento pró-autoritarismo, para no último segundo se reconhecer pró-autonomia. Um pequeno aviso: o texto contém poemas grandiloquentes sobre a modernidade e é basicamente todo fundamentado numa analogia sobre satanismo. Eu sei que vai dar uma puta vontade de revirar os olhos e pensar que é só mais uma esquisitice da internet. Mas pooor favor, só leia. Tem versão em português.

Sobre a sensação (comum pra mim no começo da adolescência) de se achar incrível e pensar que tem direito a tudo sem esforço: Meu filho, você não merece nada.

Sobre a divisão profunda entre a América do Norte rural e urbana, e como isso pode ter ajudado a eleição do Trump.

Sobre TOC, tem esse texto ("e se eu der um soco na cara dessa mulher?") e esse outro, sobre "coisas que ninguém te diz sobre ter TOC".  É uma doença realmente pouco compreendida. Vale a pena ler pra entender um pouco mais.

Sobre igualdade de gênero na tecnologia: "The more gender equality, the fewer women in STEM" (quanto mais igualdade de gênero, menos mulheres vão para ciência, tecnologia, engenharia e matemática). É contraintuitivo: você imagina que, quanto mais igualdade de gênero, mais as mulheres têm a oportunidade de "fazer o que elas quiserem", menos pressão para ficarem em profissões tradicionalmente femininas e mais amigável o ambiente para mulheres que trabalham com tecnologia.

As hipóteses que o artigo propõe para explicar os dados são: (a) em países com menos igualdade de gênero, independência financeira é uma questão mais urgente para as mulheres; pode ser o que salva elas de um casamento forçado, de ser obrigada a obedecer a um familiar ou marido pra sempre, etc. (b) corolário do (a), em países com mais igualdade de gênero - em que uma mulher não precisa de independência financeira para ter sua autonomia garantida - as mulheres podem se dedicar mais a coisas de que elas efetivamente gostam, que tendem a ser mais voltadas às humanidades.

Uma ressalva: ainda de acordo com o artigo, mulheres, em média, são tão boas quanto homens em matérias de matemática, ciência etc. A diferença é que elas costumam ser ainda melhores em matérias de humanidades.

Finalmente, um sobre casos de violência sexual dentro da ONU e como a organização tem lidado (mal).

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Escrever poemas é totalmente o tipo de coisa que, só porque você pode fazer, não significa que você deva.